A terceirização do Programa Saúde da Família
prática ilegal
I. O Programa de Saúde da Família:
A intenção do Governo Federal ao criar o Programa Saúde da Família foi louvável e digna de aplauso. Em tese, seria um Programa ímpar na área da saúde básica, cuja atuação estaria centrada nas práticas preventivas.
O Programa, que ficou nacionalmente conhecido por PSF, é assim definido e sintetizado pelo Ministério da Saúde [01]:
"A Saúde da Família é entendida como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial, operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde. Estas equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada. As equipes atuam com ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais freqüentes, e na manutenção da saúde desta comunidade. A responsabilidade pelo acompanhamento das famílias coloca para as equipes saúde da família a necessidade de ultrapassar os limites classicamente definidos para a atenção básica no Brasil, especialmente no contexto do SUS.
(...)
O trabalho de equipes da Saúde da Família é o elemento-chave para a busca permanente de comunicação e troca de experiências e conhecimentos entre os integrantes da equipe e desses com o saber popular do Agente Comunitário de Saúde. As equipes são compostas, no mínimo, por um médico de família, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e 6 agentes comunitários de saúde. Quando ampliada, conta ainda com: um dentista, um auxiliar de consultório dentário e um técnico em higiene dental.
Cada equipe se responsabiliza pelo acompanhamento de cerca de 3 mil a 4 mil e 500 pessoas ou de mil famílias de uma determinada área, e estas passam a ter co-responsabilidade no cuidado à saúde. A atuação das equipes ocorre principalmente nas unidades básicas de saúde, nas residências e na mobilização da comunidade, caracterizando-se: como porta de entrada de um sistema hierarquizado e regionalizado de saúde; por ter território definido, com uma população delimitada, sob a sua responsabilidade; por intervir sobre os fatores de risco aos quais a comunidade está exposta; por prestar assistência integral, permanente e de qualidade; por realizar atividades de educação e promoção da saúde.
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E, ainda: por estabelecer vínculos de compromisso e de co-responsabilidade com a população; por estimular a organização das comunidades para exercer o controle social das ações e serviços de saúde; por utilizar sistemas de informação para o monitoramento e a tomada de decisões; por atuar de forma intersetorial, por meio de parcerias estabelecidas com diferentes segmentos sociais e institucionais, de forma a intervir em situações que transcendem a especificidade do setor saúde e que têm efeitos determinantes sobre as condições de vida e saúde dos indivíduos-famílias-comunidade."
Em tese, espetacular!
Os médicos e outros profissionais da área de saúde estão mais próximos da comunidade, fazendo o acompanhamento da saúde das famílias e a prevenção, recuperação e reabilitação de doenças mais freqüentes e simples.
A análise dos dados oficiais [02] do PSF demonstra, inclusive, que o Programa tem conseguido resultados satisfatórios. Também de acordo com informações do Ministério da Saúde, o Programa contava no ano de 2005 com 24.600 equipes de Saúde da Família devidamente implantadas, as quais estavam espalhadas por 4.986 municípios brasileiros e cobriam 44,4% da população, o que corresponde a aproximadamente de 78,6 milhões de pessoas.
Não obstante esses fatores, que demonstram que a ideologia do Programa é muito interessante e positiva, bem como que este tem gerado resultados satisfatórios, a implementação e execução do PSF em alguns municípios tem sido feita à margem da lei, contrariando princípios constitucionais da administração pública, princípios do direito do trabalho e, também, normas constitucionais e legais, trazendo prejuízos ao erário público e aos trabalhadores.
Essa é a questão que será analisada neste trabalho.
II. A implantação e execução do Programa de Saúde da Família:
Como exposto, não obstante ser um Programa de sucesso e tido como referência na área da saúde, o PSF foi implementado e vem sendo executado à margem da lei em alguns municípios brasileiros, ferindo normas constitucionais e legais e princípios constitucionais da administração pública e do direito do trabalho.
Os Estados e Municípios, interessados nas vultosas quantias destinadas ao PSF pelo Governo Federal [03], firmaram convênios com o Ministério da Saúde e com a FUNASA para fins de implantação deste Programa. Entretanto, alguns Municípios, por carecerem de condições para a execução do PSF, têm optado pela "terceirização" do mesmo, o que constitui uma prática ilegal e ilegítima.
Os convênios administrativos, na visão do saudoso Hely Lopes Meirelles (Direito administrativo brasileiro. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 354), são "acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes".
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito administrativo. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 292), no mesmo sentido, define convênio como a "forma de ajuste entre o Poder Público e entidades públicas ou privadas para a realização de objetivos de interesse comum, mediante mútua colaboração".
Evidente, então, que o convênio administrativo pressupõe interesse recíproco e mútua colaboração entre os partícipes.
Outrossim, as finalidades institucionais e estatutárias dos signatários dos convênios devem contemplar o objeto destes, ou seja, os partícipes dos convênios devem possuir objetivos institucionais comuns e relacionados com o objeto do convênio. Além disso, a descentralização da execução de programas e projetos mediante convênios só é permitida/possível com entes que dispõem de capacidade e plenas condições para a consecução do seu objeto (conforme o disposto na Instrução Normativa n.º 1/1997 da STN [04]).
No caso do PSF, tanto a União (Ministério da Saúde) quanto os Estados (Secretarias Estaduais de Saúde) e os Municípios (Secretarias Municipais de Saúde) têm interesse no aprimoramento e na consolidação do Sistema Único de Saúde. Patente, então, o interesse recíproco.
Todos os envolvidos no PSF visam, também, um pleno, eficiente e satisfatório sistema de saúde pública, pelo que unem esforços em suas atuações e diretrizes estratégicas. As responsabilidades e atribuições dos envolvidos no PSF estão elencadas na Portaria n.º 1886/GM, de 18 de dezembro de 1997, do Ministério da Saúde, que trata da matéria de forma detalhada. Isso caracteriza a mútua colaboração entre os partícipes e a existência de finalidade institucional comum e relacionada com o objeto do convênio, requisitos próprios e inerentes aos convênios administrativos.
Não obstante esses requisitos, alguns Municípios têm optado pela "terceirização" da execução do PSF, provavelmente por carecerem de condições materiais, o que constitui uma prática ilegal e ilegítima.
Ora, a descentralização da execução de programas e projetos mediante convênios só é permitida/possível com entes que dispõem de capacidade e plenas condições para a consecução do seu objeto (conforme o disposto na Instrução Normativa n.º 1/1997 da STN).
De acordo com a Portaria n.º 1886/GM, de 18 de dezembro de 1997, do Ministério da Saúde, a execução material do PSF cabe aos Municípios, que têm as seguintes atribuições:
"4.1. Conduzir a implantação e a operacionalização do PSF como estratégia de reorientação das unidades básicas de saúde, no âmbito do sistema local de saúde.
4.2. Inserir o PSF nas ações estratégicas do Plano Municipal de Saúde.
4.3. Inserir as unidades de saúde da família na programação físico financeira ambulatorial do município, com definição de contrapartida de recursos municipais.
4.4. Eleger áreas para implantação das unidades de saúde da família, priorizando aquelas onde a população está mais exposta aos riscos sociais. Selecionar, contratar e remunerar os profissionais que integram as equipes de saúde da família.
4.5. Garantir a capacitação e educação permanente das equipes de saúde da família, com apoio da secretaria estadual de saúde.
4.6. Monitorar e avaliar as ações desenvolvidas pelas unidades de saúde família, através do Sistema de Informação da Atenção Básica - SIAB, ou por outro instrumento de monitoramento, desde que alimente a base de dados do sistema preconizado ao Programa pelo Ministério da Saúde (SIAB).
4.7. Utilizar os dados gerados pelo sistema de informação para definição de atividades prioritárias no processo de programação e planejamento das ações locais.
4.8. Apresentar sistematicamente a análise dos dados do sistema de informação e de outros mecanismos e/ou instrumentos de avaliação, aos conselhos locais e municipal de saúde.
4.9. Garantir a infra estrutura e os insumos necessários para resolutividade das unidades de saúde da família.
4.10. Garantir a inserção das unidades de saúde da família na rede de serviços de saúde, garantindo referência e contra-referência aos serviços de apoio diagnóstico, especialidades ambulatoriais, urgências/emergências e internação hospitalar." (destaques acrescidos).
Sendo assim, temos que para a celebração do convênio e a implantação e execução do PSF os Municípios, entre outras obrigações, devem selecionar, contratar e remunerar os profissionais que integram as equipes de saúde da família e garantir a infra-estrutura e os insumos necessários para as atividades das unidades de saúde da família.
Isso, no entanto, não tem sido observado e cumprido por alguns Municípios. Como exposto, alguns deles estão "terceirizando" as atividades do PSF, mediante a celebração de outro convênio ou até mesmo de contrato com as mais diversas entidades civis.
III. As ilegalidades da "terceirização" do Programa de Saúde da Família:
Conforme os contratos e convênios firmados por alguns Municípios com entidades civis, estas passam a gerir o Programa, mas sempre de forma condicionada à autorização ou aprovação dos Municípios, por meio das respectivas Secretarias Municipais de Saúde.
De regra, então, toda atuação das entidades depende do aval dos Municípios/Secretarias Municipais de Saúde. Estes, ao fim de cada mês, efetuam o pagamento da quantia previamente ajustada.
Em linhas gerais, podemos sintetizar da seguinte forma as obrigações dos signatários dos "convênios"/contratos de "terceirização" do PSF: os Municípios repassavam recursos financeiros às entidades civis e estas contratam mão-de-obra e prestam todos os serviços necessários ao Programa. Reiteramos, por pertinente, que nos termos a Portaria n.º 1886/GM, de 18 de dezembro de 1997, do Ministério da Saúde, a contratação e remuneração dos profissionais que integram as equipes de saúde da família cabe aos Municípios.
Essa terceirização configura, na verdade, um contrato administrativo, por meio do qual os Municípios contratam entidades/associações civis para prestarem serviços na área de saúde, o que, se possível, deveria obedecer rigorosamente o disposto na Lei n.° 8.666/93, inclusive no que diz respeito à realização de licitação. Ocorre que a terceirização não é possível, pelo que sequer devem ser seguidas as disposições da Lei n.° 8.666/93.
Por outro lado, e apenas a título de registro, cumpre observar que a seleção das entidades quase sempre é feita sem qualquer critério, atendendo, muitas vezes, a interesses escusos e eleitoreiros.
Outrossim, temos que a "terceirização" efetuada é manifestamente ilegal, tendo em vista que o PSF é um programa do Governo Federal, cuja execução foi descentralizada por este mediante convênios celebrados com os Estados e os Municípios brasileiros. Assim, entendemos que não é possível a descentralização de algo que já havia sido descentralizado anteriormente. Se fosse para descentralizar a execução do PSF para entidades civis, a União assim o teria feito.
Ora, tendo em vista que a descentralização da execução de programas e projetos mediante convênios só é permitida/possível com entes que possuem condições para a consecução do seu objeto, presumimos que os Municípios que terceirizaram o PSF não atendem a esse requisito, na medida em que optaram por descentralizar a execução do Programa. E isso, por si só, torna inválido e sem efeito o ajuste firmado com a União e o Estado respectivo, além de configurar, em tese, ato de improbidade administrativa.
Além disso, quase sempre as finalidades e os objetivos institucionais das entidades civis não contemplam o objeto do convênio/contrato celebrado, o que reforça a tese de sua ilegalidade, pois os partícipes dos convênios devem possuir objetivos institucionais comuns e relacionados com aquele.
Assim, e no tocante à administração pública, pensamos que restam violados os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, bem como as disposições da Lei n.° 8.666/93, da IN n.º 1/1997 da STN, da Portaria n.º 1886/GM, de 18 de dezembro de 1997, do Ministério da Saúde, entre outras normas legais.
Já em relação aos trabalhadores envolvidos nessa terceirização, pensamos que as conseqüências são mais danosas ainda, posto que há confusão e dúvida, inclusive, sobre o real empregador.
Quem é o empregador do médico ou do enfermeiro do "PSF terceirizado"?
Pensamos que o empregador é o Município, já que efetivamente dirige o trabalho daqueles. A entidade civil funciona apenas como uma fachada, já que toda a sua atuação depende do aval do Município/Secretaria Municipal de Saúde.
O que há, na verdade, é simplesmente a contratação de servidores/empregados pelos Municípios, por intermédio das entidades civis, via convênio/contrato administrativo, em manifesta violação aos princípios e preceitos legais e constitucionais aplicáveis à administração pública, especialmente no que diz respeito ao concurso público.
Diante desse quadro, entendemos que o instrumento jurídico ("convênio" ou contrato) de terceirização da execução do PSF é nulo de pleno direito, configurando manifesta ilegalidade, além de ser usado como fundamento para outra prática ilegal: contratação de mão-de-obra pelo Poder Público, por meio de entidade civil interposta, com o intuito de fraudar direitos trabalhistas, o que é vedado pelo art. 9° da CLT.
A finalidade desta prática é, geralmente, desvirtuar, impedir e fraudar direitos trabalhistas dos empregados contratados, bem como burlar a tão temida Lei de Responsabilidade Fiscal no que diz respeito ao limite de gastos com pessoal.
Sendo assim, entendemos que nesses casos deve ser aplicado o disposto no art. 9° da CLT, declarando-se a nulidade das contratações efetivadas pelos Municípios, por intermédio das entidades civis interpostas via convênios/contratos administrativo e sem a realização de concurso público (conforme exige o art. 37, II, da Constituição Federal).
Em conseqüência, pensamos que deve ser observado e aplicado o disposto nas Súmulas n.° 331 e 363 do c. Tribunal Superior do Trabalho, que tratam da matéria nos seguintes termos:
"Nº 331 - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974);
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988);
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta;
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993)." (destaques acrescidos).
"Nº 363 - CONTRATO NULO. EFEITOS
A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS." (destaques acrescidos).
Desse modo, e tendo em vista os vícios da contratação dos trabalhadores do "PSF terceirizado", pensamos que os mesmos devem ser imediatamente afastados de suas funções. Entendemos, também, que fazem jus apenas ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas e respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.
Tendo em vista a gravidade da fraude praticada pelos Municípios e entidades civis, entendemos, ainda, que os mesmos devem responder solidariamente pelas verbas devidas aos trabalhadores, bem como que o caso requer uma urgente e efetiva atuação do Ministério Público do Trabalho, do Ministério Público Federal, do Ministério do Trabalho, do Ministério da Saúde, da Controladoria-Geral da União e dos sindicatos das categorias profissionais envolvidas.
Alguns Tribunais pátrios já se manifestaram sobre a questão, tendo decidido nos seguintes termos:
"ENTE PÚBLICO. PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA. CONTRATAÇÃO DE PROFISSIONAL POR MEIO DE CONVÊNIO COM ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA. NULIDADE. O Programa de Saúde da Família já se consolidou no conceito de atividade permanente da Administração, não havendo justificativa para a contratação temporária de profissionais para a sua implementação. Cabe à entidade municipal, como responsável pelos aspectos operacionais do Programa, observar a regra moralizadora constitucional que lhe impõe contratar pessoal mediante concurso público. No caso, tem-se que a admissão do reclamante ocorreu sem a realização de certame e sob o intermédio de associação comunitária civil, a qual apenas serviu de fachada para o Município reclamado esquivar-se do mandamento previsto no art. 37, inciso II, da Constituição Federal. Impõe-se reconhecer, nesse contexto, que a contratação se deu diretamente com o ente público, sendo nula de pleno direito, de modo que o autor faz jus somente aos depósitos do FGTS, à vista do que foi pleiteado, e nos moldes delineados pela Súmula 363 do TST." (TRT 13ª Região - PROC. NU.: 00239.2006.009.13.00-0 - Recurso Ordinário)
"PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA – AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO E PRÉVIO CONCURSO PÚBLICO – NULIDADE CONTRATUAL – A contratação do reclamante para o cargo de médico do Programa Saúde da Família - PSF não foi precedida de Lei Municipal editada nos moldes fixados pelo Ministério da Saúde, ao instituir o programa. E ainda, não foi observada a exigência constitucional de prévia aprovação em concurso para ingresso em cargo ou emprego público federal, estadual ou municipal. Correta, pois, a sentença que reconheceu o vínculo empregatício, mas declarou-lhe a nulidade, condenando o empregador em verbas de natureza salarial, já que a força de trabalho despendida pelo obreiro não mais lhe pode ser restituída, e que deixar de remunerá-lo pelos serviços prestados seria aquiescer com o enriquecimento sem causa da administração pública." (TRT 22ª Região – RORXOF 00693-2004-101-22-00-7 – Rel. Juiz Manoel Edilson Cardoso – DJU 13.01.2006 – p. 13)
"REMESSA EX OFFICIO E RECURSOS ORDINÁRIOS – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – PSF – MÉDICO – INGRESSO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, APÓS A VIGÊNCIA DA CF/88, SEM PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO – CONTRATO NULO – Não obstante a irregularidade da contratação, o C. TST já firmou posicionamento sobre a matéria através do Enunciado 363: "Contrato nulo. Efeitos. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS." (TRT 19ª R. – RO 00722.2004.063.19.00-5 – Rel. Juiz João Leite – J. 02.06.2005)
O e. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, por sua vez, tem reconhecido a validade do contrato de emprego dos profissionais de saúde com as entidades civis responsáveis pela execução do programa, conforme se verifica da seguinte decisão:
VÍNCULO DE EMPREGO COM O ENTE PÚBLICO – AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE – PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA – O processo de seleção de agentes comunitários de saúde, nos termos da portaria 1.886, de 18.12.1997, do ministério da saúde, mesmo quando realizado diretamente pelo ente público, não se confunde com o concurso público para provimento de cargos e/ou empregos públicos exigido pelo art. 37, II, da CF, estabelecendo-se o vínculo de emprego, na forma prevista na portaria e no edital de concurso, com a entidade privada conveniada. (TRT 4ª R. – REO-RO 00807.2002.018.04.00.9 – 4ª T. – Rel. Juiz Milton Varela Dutra – DOERS 28.06.2004)
Para o e. Tribunal da 4ª Região, os trabalhadores do PSF foram, tal como consta registrado em suas respectivas CTPS’s, empregados das entidades civis, descabendo o pretendido reconhecimento de vínculo direto com o Município.
Os fundamentos da decisão do e. Tribunal da 4ª Região são os seguintes: a) a despeito de o processo seletivo ser realizado, unicamente, pelo Município, a contratação efetivamente foi realizada pelas entidades de direito privado e não integrantes da administração pública direta ou indireta; e, b) não houve prévia aprovação em concurso público para provimento de cargos, bem como não é hipótese de emprego público.
Com a devida vênia, discordamos do entendimento do e. Tribunal da 4ª Região, posto que se for considerado válido o vínculo de emprego dos profissionais do PSF com as entidades civis conveniadas, os Municípios responderão de forma subsidiária ou até mesmo solidária por todas as obrigações trabalhistas daqueles, e não apenas pelos salários e depósitos do FGTS como previsto na Súmula n.°363 do c. Tribunal Superior do Trabalho, para o caso de contrato nulo.
Entendemos, como exposto anteriormente, que os empregadores dos profissionais do PSF são os Municípios, e não as entidades civis conveniadas/contratadas, o que torna o contrato nulo na forma da Súmula n.° 363 do c. Tribunal Superior do Trabalho.
De outra banda, o e. Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região entende que não há qualquer ilegalidade na terceirização do PSF, conforme se verifica da decisão abaixo:
ENTE PÚBLICO – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ASSISTENCIAIS DE SAÚDE – PROGRAMA FAMÍLIA SAUDÁVEL – AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – 1. Se o legislador constituinte permite a formalização de convênios entre o poder público e a iniciativa privada e configurado que o caso é de atividade assistencial subsidiada pela União e implementada por associação de natureza civil, fica descaracterizada a delegação de serviços públicos ou mesmo a terceirização, porque se está diante de uma situação em que o particular praticou atividades privadas em nome próprio, com incentivo da União, em que o Município de Belém se limitou em repassar a verba advinda do Governo Federal - Ministério da Saúde, para implementação do Programa Família Saudável. 2. Inaplicável a Súmula nº 331, IV, do TST por não se vislumbrar a relação trilateral (empregado, empregador e tomador de serviços), visto que as pessoas jurídicas constituídas com o finalidade, dentre outras, de desenvolver atividades relacionadas à prestação de serviços de assistência de saúde suplementar, ante a relevância pública de seu mister, visto que o bem tutelado é a saúde e a vida, devem se submeter a ingerência estatal. Inteligência dos art. 197 a 199 da Constituição Republicana e Lei 8.080/90. (TRT 8ª R. – REXRO 00847-2005-008-08-00-4 – 3ª T. – Rel. Des. Luis José de Jesus Ribeiro – J. 23.11.2005)
Com base em todos os argumentos expostos anteriormente, discordamos do entendimento do e. Tribunal da 8ª Região. Pensamos, pois, que o PSF não pode ser terceirizado.
Dessa forma, e no tocante aos trabalhadores, pensamos que o ato de "terceirização" do PSF é nulo de pleno direito, nos termos do art. 9º da CLT, posto que praticado com o objetivo de desvirtuar e fraudar a aplicação dos preceitos contidos na naquele diploma, negando direito aos trabalhadores. Representa, na verdade, uma forma de contratação de mão-de-obra pelo Poder Público, por meio de entidade civil interposta, com o intuito de fraudar direitos trabalhistas e burlar a tão temida Lei de Responsabilidade Fiscal no que diz respeito ao limite de gastos com pessoal.
IV. Considerações finais:
Diante de todo o exposto, concluímos que a terceirização da execução do PSF é ilegal e gera inúmeros prejuízos ao erário público e aos trabalhadores envolvidos. Concluímos ainda que, em razão da gravidade, o caso exige uma urgente e efetiva atuação do Ministério Público do Trabalho, do Ministério Público Federal, do Ministério do Trabalho, do Ministério da Saúde, da Controladoria-Geral da União e dos sindicatos das categorias profissionais envolvidas.
V. Referências:
Juris síntese IOB: legislação, jurisprudência, jurisprudência comentada, doutrina, prática processual e dicionário latim-português. Porto Alegre: Thomsom-IOB, n. 53, maio-jun/2005. 1 cd-rom.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 1994.
Ministério da Saúde. INTERNET. Disponível no site <www.saude.gov.br>. Acesso em: 26 mar. 2007.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. INTERNET. Disponível no site <www.trt4.gov.br>. Acesso em: 26 mar. 2007.
Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região. INTERNET. Disponível no site <www.trt8.gov.br>. Acesso em: 26 mar. 2007.
Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região. INTERNET. Disponível no site <www.trt13.gov.br>. Acesso em: 26 mar. 2007.
Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região. INTERNET. Disponível no site <www.trt19.gov.br>. Acesso em: 26 mar. 2007.
Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. INTERNET. Disponível no site <www.trt22.gov.br>. Acesso em: 26 mar. 2007.
Tribunal Superior do Trabalho. INTERNET. Disponível no site <www.tst.gov.br>. Acesso em: 26 mar. 2007.
Notas
01 http://dtr2004.saude.gov.br/dab/atencaobasica.php
02 http://dtr2004.saude.gov.br/dab/abnumeros.php#historico
03 Anexo 2, Item 8.1, da Portaria n.º 1886/GM, de 18 de dezembro de 1997, do Ministério da Saúde: O Ministério da Saúde repassará recursos financeiros de incentivo, proporcionais à população assistida pelas unidades de saúde da família, de acordo com critérios e prioridades definidos e pactuados na Comissão Intergestores Tripartite.
04 Instrução Normativa n.º 1, de 15 de janeiro de 1997, da STN – "Disciplina a celebração de convênios de natureza financeira que tenham por objeto a execução de projetos ou realização de eventos e dá outras providências".
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